Cena de "A Rede Social" |
A primeira coisa que se ouve é uma conversa: uma veloz e furiosa troca de frases entre uma voz masculina e uma voz feminina, um tiroteio de estatísticas sobre a possível genialidade dos estudantes chineses, a composição sócio-econômica do corpo discente de Harvard e as possibilidades de sucesso de uma pessoa de 21 anos nos Estados Unidos no ano da graça de 2003. É uma abertura inesperada para um filme teoricamente sobre a internet, onde quase ninguém realmente conversa – pelo menos não de viva voz e frequentemente nem mesmo com suas próprias identidades.
E no entanto, assim que os créditos terminam e a primeira sequência de The Social Network enche a tela, lá estão duas pessoas de carne e osso engajadas numa troca verbal como as do século passado: intensa, complicada, e, no final, traumática. Ela é Erica Allbright (Rooney Mara), a fictícia namorada que o roteirista Aaron Sorkin criou para reunir, em uma única circunstância, os diversos fatores que levaram à criação do Facebook, a “social network” do título; ele é Mark Zuckenberg (Jeff Eisenberg), a persona, em parte fictícia do criador do Facebook. Estamos num bar de estudantes da universidade de Harvard em 2003, e Zuckenberg, intelectualmente brilhante mas um desastre em termos emocionais e sociais, um judeu numa escola de elite que não abre mão da superioridade protestante-anglo saxônica em seu rígido sistema de sociedades, clubes e associações, é um forasteiro testando as águas da suposta meritocracia norte-americana.
Esta é a verdadeira chave para compreender The Social Network, o brilhante filme que Sorkin escreveu e David Fincher dirigiu a partir do esboço do livro Accidental Billionaires, de Ben Mezrich (um ex-aluno de Harvard que foi despertado para confusão em torno da criação do Facebook por um email de um amigo do brasileiro Eduardo Saverin, um dos personagens da saga). Não se trata de um filme sobre a internet – a internet faz, nele, o mesmo papel que, digamos, os jornais fazem em Cidadão Kane (para usar uima comparação do próprio Fincher, qie chama seu filme de “o Cidadão Kane que John Hugues faria”) ou o Um Anel em O Senhor dos Anéis – é a fonte de poder que encanta, desafia, testa coragem, força de vontade e criatividade e, em última análise cria e destrói alianças e amizades.
Sorkin, fascinado desde sempre pelo poder, e o que sua presença ou ausência faz nas vidas das pessoas – vide sua premiada série de TV “The West Wing” ou a infelizmente breve “Studio 60 on the Sunset Strip” – confessa-se “profundamente desinteressado” pela internet, mas muito interessado no que leu nas páginas do esboço de Mezrick: “uma história sobre temas tão antigos quanto a própria arte de contar histórias: amizade, lealdade, classe social. Coisas que ocuparam Ésquilo e Shakespeare e Paddy Chayfesky e que tive a sorte de poder abordar.”
Um conceito que Fincher – que confessou “que gostaria de ter feito American Graffiti, e, agora, fiz o meu” - abraçou com entusiasmo.
Os elementos do livro são simplificados e alinhados numa narrativa que salta sem dificuldade entre as diversas deposições de Zuckenberg em 2007 - nos processos movidos pelos ex- amigo Saverin (Andrew Garfield, o futuro Homem Aranha), e pelos gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss (Armie Hammer nos dois papéis, com ajuda de CGI) e seu parceiro Divya Narendra (Max Minghella, filho do diretor Anthony Minghella) pela posse e autoria do Faceboook – e o fatídico inverno norte-americano de 2003-2004 quando Zuckenberg, depois de hackear o sistema de Harvard e acessar os arquivos de todos os estudantes, tem a inspiração para um site que ele chama The Facebook.
Sorkin dá a Zuckenberg a namorada Erica para sintetizar, logo na cena de abertura, sua extrema inaptidão social e seu profundo sentimento de exclusão, ambos essenciais para explicar o impulso que o leva primeiro ao hacking, depois ao Facebook. Eisenberg, mostrando toda a gama de um talento que ainda não tínhamos visto inteiramente em “A Lula e a Baleia”, “Adventureland” e “Zombieland”, vive Zuckenberg menos como um nerd e mais como alguém tão inteiramente fechado em si mesmo que, para interagir com o mundo, precisa criar um universo digital controlável. E que se aferra a ele não pelo dinheiro mas porque seu feito é a única coisa da qual se orgulha, algo que prova, para ele mesmo, que ele não tem nada a dever às elites arianas de Harvard.
É o que realmente aconteceu? Não interessa. “The Social Network” - como, num passado recente, “A Rainha” ou “Frost/Nixon” - não é um documentário, mas uma exploração dos fatores humanos atrás dos fatos do noticiário. Como em Rashomon – outra referência citada por Fincher – o filme dá voz a todas as versões da história, e deixa que cada uma das partes interessadas – nas quais se inclui também Sean Parker (Justin Timberlake, excelente), o criador do Napster transformado em aprendiz de Maquiavel – demonstre sua verdade pessoal.
No final, tudo se resume a Zuckenberg e Saverin, companheiros de exclusão e aventura, profundamente feridos, em lados opostos de sua criação, Lennon e McCartney no final dos Beatles, mais uma saga de como um bando de outsiders se tornaram insiders. E o que se perdeu pelo caminho.
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